Por Luís Valério.
Em meio às ruas de Salvador, na Bahia do século XVI, uma figura desafiava as rígidas normas impostas pela sociedade colonial portuguesa: Xica Manicongo, uma mulher travesti negra, escravizada, que se tornou um dos primeiros registros de identidade de gênero dissidente no Brasil.
A história de Xica é, ao mesmo tempo, um retrato da opressão colonial e um poderoso símbolo de resistência. Documentada em registros da época, ela foi alvo de perseguição não apenas por ser uma pessoa negra e escravizada, mas também por não se submeter às normas de gênero impostas pela sociedade cristã europeia.
Segundo relatos históricos, Xica — que trabalhava como sapateira — insistia em viver de acordo com sua identidade de gênero, usando roupas consideradas femininas, mesmo sob constante repressão. Foi forçada a vestir-se como homem por determinação das autoridades coloniais, um reflexo claro da tentativa de controle não só sobre os corpos negros, mas também sobre as expressões de gênero.
Resistência que atravessa séculos
A trajetória de Xica Manicongo não é apenas um episódio isolado da história colonial. Ela evidencia que as identidades trans, travestis e de gênero dissidente não são construções modernas, mas existem desde os primeiros capítulos da história do Brasil. Sua resistência, mesmo diante de uma sociedade estruturada na escravidão, no racismo e na cisgeneridade compulsória, reverbera até os dias atuais.
Para movimentos sociais e organizações LGBTQIA+, especialmente para a comunidade travesti negra, Xica representa um marco. Sua memória é constantemente resgatada como símbolo de luta contra a violência, o apagamento histórico e a transfobia estrutural que ainda vitimam essa população.
Um legado vivo e urgente
Dados recentes mostram que o Brasil continua liderando o ranking mundial de assassinatos de pessoas trans e travestis. Diante desse cenário, lembrar de Xica Manicongo não é apenas revisitar o passado, mas compreender como as violências de hoje são heranças diretas do colonialismo, do racismo e da transfobia.
Ao mesmo tempo, sua história também inspira resistência, orgulho e afirmação. Ela prova que existir, resistir e expressar-se fora das normas impostas é, desde sempre, um ato político e revolucionário.
> “Falar de Xica Manicongo é reconhecer que nossas existências sempre estiveram presentes, mesmo quando tentaram nos apagar”, afirma [Inserir nome de uma ativista, historiadora ou fonte relevante, se desejar].
No Brasil do século XXI, onde a luta por direitos trans ainda enfrenta inúmeros desafios, a memória de Xica Manicongo permanece como farol: lembra que, desde os tempos coloniais, a travestilidade é, acima de tudo, resistência.